Por muitos anos, minha rotina foi dominada por códigos, planilhas, diagramas de fluxo e sistemas complexos. Como Analista de Sistemas, meu trabalho exigia lógica, precisão, atenção aos detalhes e a capacidade de prever consequências de cada decisão — qual linha de código poderia gerar erro, qual sistema precisava de ajustes, como otimizar processos sem comprometer a eficiência. Tudo tinha um padrão, uma regra, uma lógica clara.
Hoje, atuo como "Analista de Pessoas", mergulhando em histórias, emoções, pensamentos e relações humanas. Em vez de algoritmos, lido com sentimentos; em vez de fluxogramas, observo comportamentos; em vez de dados binários, interpreto nuances e subjetividades. À primeira vista, parece que tudo mudou. Mas, se olharmos de perto, a transição é mais fluida do que se imagina.
A lógica que aplicava em sistemas agora se transforma em raciocínio clínico: cada comportamento humano pode ser compreendido em padrões, tendências e causas, mas sempre com espaço para exceções e singularidades. A análise de processos complexos deu lugar à análise de histórias de vida; o que antes eram códigos e sistemas, agora são narrativas, emoções e experiências únicas.
A disciplina adquirida na carreira de tecnologia me ajuda a organizar pensamentos, estruturar atendimentos e acompanhar a evolução do processo terapêutico. A paciência para depurar um programa reflete-se na paciência necessária para ouvir, acolher e acompanhar mudanças internas em outra pessoa. A atenção aos detalhes, tão essencial para não deixar erros passarem despercebidos, se transforma na sensibilidade para perceber sutilezas no discurso, gestos ou emoções.
São exigidas habilidades diferentes, mas complementares: empatia, escuta ativa, compreensão do inconsciente, ética e presença genuína. Ainda assim, cada experiência técnica construída ao longo de anos em Exatas se revela como um alicerce valioso na nova trajetória em Humanas, mostrando que ciência e humanidade podem se complementar.
Não abandonei um universo; transferi habilidades, visão sistêmica e disciplina para algo mais profundo: ajudar pessoas a se compreenderem, a enfrentarem desafios e a encontrarem sentido em suas vidas. E, assim, de Analista de Sistemas, tornei-me "Analista de Pessoas" — uma transição que une lógica e sensibilidade, estratégia e empatia, números e sentimentos.
Será por isso que escolhi Lacan? Com certeza.
Lacan mostrou que o inconsciente tem sua própria “linguagem”, cheia de lógica, padrões e estruturas — quase como um sistema que precisa ser decodificado. De repente, toda a disciplina, o raciocínio e a atenção aos detalhes que usei em códigos e planilhas agora me ajudam a perceber sutilezas no discurso, repetições, pausas e escolhas de palavras dos pacientes. Grafos, vetores, fórmulas, teoremas… eita, Lacan! É curioso como a lógica e a matemática, que pareciam tão distantes do humano, estão, de alguma forma, no coração da psicanálise. Cada experiência em Exatas se transformou em ferramenta para escuta, compreensão e intervenção clínica. Nada se perde; tudo se transforma. E assim, minha “programação” virou cuidado, empatia e análise.