São Paulo 08 de agosto de 2022.
Foto:
02/Fev/2002
Essa aí da foto, sou eu, 20 anos atrás, ao ingressar nesta empresa, já com
experiências anteriores em empresas familiares, em empresas nacionais e em
outras multinacionais. Ainda assim, sem saber ao certo o que iria encontrar
nesse lugar ... idealista, apaixonada, cheia de sonhos e motivada ao extremo.
Lembro desse dia como se fosse hoje! Como sei que vou me lembrar de hoje para
sempre! São marcos na vida profissional capazes de registrar uma mudança, uma
fase, evidenciando o quanto vamos crescendo, mudando, experimentando, indo de
uma passagem a outra, direcionando melhor nosso foco e motivação!
20 anos! Parece que foi ontem! Bem difícil saber o que escrever nesse momento. Principalmente porque estou tentando fugir das frases feitas e do teatro inerente a esses momentos que sempre vejo nas despedidas postadas nas mídias sociais. Eu pedir meu desligamento era algo inimaginável, dada minha paixão e vínculo muito fortes com esse ambiente, era algo muito distante e de repente foi ficando tão perto. Claro! teve um empurrãozinho, desses que acontecem com frequência no ambiente corporativo, quando você decide não fazer parte do que não concorda. Mas, ao longo desses últimos anos, fui também me envolvendo com outros temas, outras pessoas, estudando muito e me interessando por outros lugares, então sair foi se transformando na decisão certa a ser tomada, foi fazendo total sentido... a vida passa mesmo rápido demais.
O mundo corporativo em si não é
bom, tampouco ruim, ele simplesmente é o que é! Mas os profissionais sim,
fazem a diferença entre se ter um bom ambiente de trabalho ou um verdadeiro
filme de terror. Tenho sim muito a agradecer, pelo meu desenvolvimento, entrei
muito nova no mercado de trabalho, aprendi muito tecnicamente, e aprendi muito
em como agir, passei por diversas situações. As boas,
aqueles momentos incríveis que passei, com viagens incríveis, diversas
culturas, com projetos diferenciados, inovações, temas multidisciplinares, em
clientes de ponta e com equipes muito tops, mas também as ruins,
aquelas fases em que você conhece o pior das pessoas que estão a sua volta e
você entende que a grande maioria são apenas colegas momentâneos e líquidos e
que, assim como você, estão nesse jogo da sobrevivência, portanto impossível
exigir sinceridade e coerência deles. Tudo no mundo corporativo é muito fluído,
um dia nunca é igual ao outro. As pessoas mudam de uma hora para outra, como
trocam de roupa. O que eu aprendi de mais importante é que “nada é o
que parece” e que “a vida sempre continua”. Se eu pudesse
agradecer o melhor dos skills que o mundo corporativo evidenciou em mim foi
a coragem, viabilizando sempre seguir em frente “apesar de”.
Fiz o possível para não ser ingênua e cair em armadilhas, e fiz o possível para
tentar manter alguns valores, mas eu diria que é uma missão árdua, porque todos
os dias existem as “minas” espalhadas pelo caminho. Você tem que sempre olhar
os fatos sob diversos prismas, muitas vezes tentar entender a “sacanagem” que
fizeram contigo ou que estão fazendo com o colega do lado, aceitar ou fingir
que aceita, como sendo algo justo e correto, e que se não te envolve
diretamente, não te diz respeito. E mais, você tem que aprender a se envolver
sem se envolver, você tem que “atuar”, mas, além do teatro, é claro, se o
problema não é sua responsabilidade direta, não deve se importar. Se não
consegue, basta fingir, dá no mesmo. E na verdade, vamos combinar, “é
só trabalho”.
As pessoas vêm e vão e os cargos
também. A única coisa certa é a mudança. O melhor é enxergar o mundo
corporativo como um jogo: quem não conhecer as regras e não se interessar pelas
estratégias dos demais, sai perdendo. E mais, você tem que querer jogar, não há
espaço para quem quer apenas trabalhar, aprendi na prática que não funciona,
você tem que jogar. Estar sempre atento às jogadas dos demais e atento ao
tabuleiro e aos posicionamentos de todos os demais jogadores. Esse jogo é um
exercício complexo, é necessário e contínuo. Quase nunca justo. Optar por não
jogar, infelizmente, tem lá suas consequências, sei bem do que estou falando.
Acredito que não se trata de uma
empresa ou outra, claro que vejo diferenças significativas, sejam pelos
propósitos, pela responsabilidade social, pelas políticas, pelos procedimentos.
Mas, infelizmente, existe muita maquiagem em tudo isso. Trabalhei em algumas
empresas, todas grandes e digo com convicção que o discurso é muito distante da
prática e mais, que muito do que acontece depende diretamente da pessoa do líder.
Hoje digo que, em alguns momentos da minha carreira, dei sorte. Isso
mesmo, não deveria ser assim, mas trata-se de sorte. Ainda existem bons lugares
para se trabalhar e com líderes preparados, não é a regra, são poucos, mas
existem. Por isso digo que dei sorte, porque logo no início e, ainda bem que
foi no início, encontrei alguns poucos bons líderes e eles fizeram a diferença
na minha vida profissional. Assim pude entender o que estaria por vir e
desmistificar várias crenças que eu trazia do ambiente acadêmico.
Um grande mito que eu trazia da
faculdade de tecnologia é que o mundo corporativo é para pessoas
inovadoras. Deveria ser, mas não é. Vivi isso na prática, de maneira bem
didática, porque foi justo ser inovadora que me tirou algumas das grandes oportunidades
e possibilidades de carreira, já que o perfil esperado era sempre de
continuidade. Pra que fazer diferente se podemos fazer igual ao que sempre foi
feito? Então muito cuidado! Grande parte da liderança não quer mudar, não sabe
mudar, não gosta de mudar, não está preparada para mudar, muitos
"líderes" não querem se arriscar, gostam da mudança apenas na teoria
e nas palavras, a inovação é constante no discurso, mas não na prática. Convivi
com muitos profissionais que apenas surfavam a onda da inovação até chegarem no
topo, mas a partir daí, quando passavam a liderar o time, imediatamente
desligavam a máquina de fazer ondas, para retardar o processo e para que
nenhum inovador aparecesse assim de surpresa. Melhor comprar empresas menores e
deixar ali a inovação, dentro de uma bolha que se consegue controlar, como um
serviço a ser usado, sem que perturbe a ordem, rs, a sua ordem. Aprendi que
lugares onde a liderança "nasceu" na empresa e está ali faz muitos
anos, tem baixíssima chance de se transformarem em inovadoras de verdade e na
prática. Inovação é Mudança, não se desconectam sequer por um minuto,
mexem no status quo e, portanto, apesar de publicamente ovacionada, intimamente
a mudança evoca a resistência. Aprendi também que muitas vezes sua competência não
é valorizada como deveria porque ela evidencia a incompetência de um colega ou,
pior, de um par ou mesmo do seu líder direto. A sua capacidade de mudar, de
inovar, a sua competência se transforma no "super
ego" dos demais profissionais amedrontados com a mudança, você
se materializa como o superego do seu líder direto. Muitos desses tipos não têm um equilíbrio saudável entre vida
profissional e vida pessoal e sua identidade está apenas no cargo que ora
ocupam e não no conhecimento. E são ingênuos em pensar que são
"imexíveis", porque, cedo ou tarde, passarão pela esteira como todo e
qualquer outro profissional ... é questão de tempo e dos vínculos. O problema é
que esse tempo, que no mundo globalizado de hoje, não se tem sobrando, acaba se
transformando em "perda de tempo" e tendo um poder de destruição
enorme, de metas, de sonhos, de inovação, de mudança e vai requerer mais tempo
ainda para reconstrução, no eterno vai e vem.
Outro ponto que acho que entendi
é que o talento é suficiente, que com competência se consegue
tudo ... Só que não. Puro engano. Competência é
imprescindível, mas não é garantia de nada. Pelo contrário, pode ser que você
seja visto como uma ameaça, um sucessor imediato, um impostor. Então ir com
calma, para não assustar na largada, foi um dos meus aprendizados ao longo
dessa caminhada. Tá bom, confesso, foi uma das tentativas de aprendizado. rs.
Mas só ir com calma também não é garantia, porque muitas vezes te exigem o que
você não gostaria de fazer, você tem que “sacanear” alguém, porque, como me
dizia um desses líderes que admiro, não dá para ser limpinho o tempo todo, você
pode até escolher não ser tão sujo, mas quem é muito certinho não vai chegar
vivo, porque é um jogo pesado por definição. As regras nunca são muito claras,
você as vai descobrindo com as rodadas e esse jogo não tem juiz nem mediador,
não tem certo ou errado, vale quase tudo.
Tem também o fato de que o
seu líder sempre quer o seu bem. Eu diria que quase nunca é assim. Ele não
quer o seu bem, ele quer o dele. Como os políticos, que tanto questionamos, que
montam alianças dependendo do contexto. Acho bem parecido. O que me chamou
atenção desde o primeiro momento é que existem muitos profissionais
despreparados em cargos muito altos, talvez competentes tecnicamente (será?)
mas altamente imaturos emocionalmente, como seus impulsos
edipianos e suas reminiscências.
Mas, independentemente de serem ou não preparados, uma coisa é fato, eles
sempre pensam em si em primeiro lugar e durante o tempo todo, posso até me
arriscar a dizer que muitas vezes não pensam nem na própria empresa, o que rege
o comportamento é sempre legislarem em causa própria, se salvarem e manterem os
benefícios, cargo e empregabilidade no mercado, narcisismo
primário, Freud concordaria
comigo aqui, rs.
É um ambiente recheado de treinamentos
e eventos, contínuos e coerentes entre si, entendidos como capacitação, formação,
como se a empresa estive de fato investindo nos profissionais. Os treinamentos
técnicos com certeza, sou muito grata porque nesses anos pude fazer milhões
deles, alguns que me marcaram profundamente, porque além de completos e cheios
de conteúdo, completamente atualizados e necessários. Mas em muitos casos, não
se tratam de apenas treinamentos, os treinamentos de gestão, missão, valores,
liderança, avaliação, dentre tantos, seria até melhor chamá-los de "condicionamento", respondente e operante, Pavlov e Skinner
com certeza teriam muito o que dizer. São ferramentas extremamente úteis de
"consequenciar" os comportamentos, vão contribuindo para a
consolidação da cultura, via reforçamento ou punição, que obviamente geram as
fugas e esquivas ou, por outro lado, os contra-controles. Esses últimos são
bastante engraçados e dignos de nota, porque, nos contra-controles, encontramos
mais criatividade do que propriamente nas tarefas do dia a dia, os
profissionais são realmente extremamente criativos e encontram sempre uma
brecha para contra-controlar tudo, ou melhor, quase tudo.
O mundo corporativo não é para os
tolos, são muitas variáveis envolvidas e você só vai aprendendo com o tempo. E
nessa jornada, você vai ser, muitas vezes, pressionado a abrir mão de “ser
você”, você vai se descaracterizando com o tempo, você vai se
transformando. Lutar contra isso é inviabilizar totalmente sua carreira além de
transformar a caminhada em um dia a dia bem trabalhoso e cansativo. Porque
nesse jogo, tem-se os ataques. Muitas vezes, você se empenha muito e faz o seu
melhor, mas no final, os méritos não ficam onde e com quem entregou os
resultados. Acontece de serem apropriados por outros, na maioria das vezes,
pelo seu próprio par ou líder. Já li muitos textos dizendo da importância do
networking e de se fazer amigos na empresa, uma rede de contatos e que te
suportará. Mas não é bem assim! No mundo corporativo, você não está entre
amigos! Em um jogo desse tipo não se faz amigos! Ninguém suporta ninguém.
Não é um jogo coletivo, embora o discurso o faça parecer, não se trata de um
jogo de equipe, é um jogo individual, para você conseguir, o outro não deve
conseguir. Não se iluda, não se confunda. Existem “acordos” que fazem sentido
em determinado momento e em outros não. Não se trata de fazer amigos, mas sim
de fazer aliados. Essas alianças tem prazo de validade. Qualquer
expectativa além disso, seria frustração com data marcada. A parte trágica está
no preconceito e nos estereótipos, as mentiras contadas
continuamente e que se transformam em verdades e que, muitas vezes, interferem
ou definem as regras do jogo, está também na criação da realidade pela objetivação e pior, na ancoragem em se dar nomes, classificar nas
categorias e na naturalização através dos rótulos.
Outro ponto importante e que é um
grande mito, é sobre o escopo de trabalho do RH, suas
idiossincrasias, ele também não está ali para te acolher e ajudar, não é o RH
com foco no profissional, o foco é sempre na empresa, ele está ali para ajudar
a empresa, o foco não são pessoas, são os números, tem até profissionais ali
bem intencionados, mas que também vão se transformando ao longo da caminhada.
Hoje estudo sobre Psicologia Organizacional,
uma das áreas de atuação dos psicólogos e tudo passa fazer ainda mais sentido,
vejo o quanto esses profissionais poderiam fazer a diferença nas empresas, mas
na prática, não o fazem, estão ali para preencherem relatórios e planilhas,
muitos nem sequer são psicólogos, mesmos os que são psicólogos, estão ali para
reproduzirem as falas combinadas e dar "credibilidade" e
"independência" a uma área que claramente não tem alçada, não tem
autonomia. Acredito que talvez estejam ali atraídos pela melhor remuneração do
que em outras áreas de atuação da psicologia. Deixam o cuidar das pessoas para
as clínicas.
Coaching, feedbacks, avaliações
de desempenho, 360 graus, testes psicométricos, testes
projetivos, reconhecimento, tantas ferramentas poderosíssimas, fruto de anos de
pesquisa e estudo de teóricos e profissionais de ponta! E que no mundo
corporativo são entregues a profissionais totalmente despreparados, e que
portanto, tornam-se apenas repositórios de projeções
e transferências, apresentando mais a
visão subjetiva do supervisor, servindo mais para justificar o que se quer
demonstrar, do que propriamente para reforçar e alavancar competências e
comportamentos. Costumo dizer que são ferramentas, principalmente as ditas 360,
para formalizar e institucionalizar a amizade, para não dizer "puxação de
saco". Como em todo e qualquer processo
grupal, identidade social,
discursos, ideologia e representações
sociais, é sobre isso! Para quem não quer jogar esse jogo, digo que
essas ferramentas podem ser extremamente úteis, prestem atenção nelas, porque
evidenciam as panelinhas, fica bem fácil mapear quem é quem na
empresa, ou melhor, quem está com quem na empresa. Deveriam
ser avaliações sigilosas mas não o são! Nunca negligencie o poder de
comunicação de uma rádio "corredor". Haja cafezinho! Aqui não poderia
me esquecer de mencionar os canais de ouvidoria que as
empresas sempre têm, querem um conselho? Fujam deles, não funcionam.
Teoricamente bem desenhados para mediação de conflitos, promoção do diálogo,
amplamente divulgados, mas na prática, simplesmente não funcionam.
A ouvidoria ainda tem um longo caminho a percorrer para que o discurso
seja transformado em prática e em ações concretas bilaterais. Acho que esses
canais funcionam mais como placebo.
E o que falar das ações sociais,
da cidadania, da responsabilidade ambiental, do voluntariado e das ações para
ajudar a comunidade? Imprescindíveis. A responsabilidade social no ambiente
corporativo permite que a empresa humanize suas práticas e enxergue
além do crescimento financeiro. Nesse viés, consegue potencializar os vínculos
profissionais com os funcionários, fornecedores e acionistas. O foco é
sempre melhorar e propagar a sua marca no mercado de maneira “positiva”, como
uma “empresa consciente”. Foram várias dessas ações que me
encantaram ao longo desses muitos anos, porque trouxeram propósito e fizeram
total sentido. Só que em alguns momentos, você se dá conta que o marketing
associado costuma ser infinitamente maior do que os resultados das próprias
ações. É o que me disse uma colega diretora em uma dessas iniciativas: “você
faz uma formiguinha e fala que fez um elefante”. Acho que ainda temos muito para
amadurecer, mas ainda bem que o mercado está cada vez exigindo mais e mais, eu
realmente espero o dia, em que as ações serão infinitamente maiores que a propaganda.
Até lá ainda bem que algo vem sendo feito.
Enfim, hoje poderia ficar aqui
por horas, dando exemplos e descrevendo situações, inúmeras, muitas que eu
mesma passei e muitas outras que eu assisti de camarote. Mas meu objetivo aqui
é me despedir e agradecer, hoje agradeço a tudo isso! Parece insano, mas
sou super grata a tudo isso, porque me fez mais forte e mais lúcida, consegui
avançar sem deixar de “ser eu”. Tá, tudo bem! Talvez eu tenha perdido algumas
coisinhas no caminho, mas ainda em tempo, agora, de recuperar e relembrar
e voltar a ser. Não tem como né? Em um jogo, há sempre algumas
cicatrizes de guerra, alguns impactos na sua saúde, infelizmente no meu caso,
definitivos, mas quem nunca né? Até aprender, acabamos internalizando alguma
coisa. Mas tenho para mim que tudo que é construído em cima da dor tende a ser
forte. Como já dizia o poeta: “a gente fica doente para se curar ... do que a
gente não é”. E não posso deixar de agradecer às inúmeras situações de
realização e reconhecimento que tive na minha longa trajetória, até emociono ao
lembrar de conquistas únicas e insubstituíveis, como algumas certificações e go
lives memoráveis. Foi uma jornada incrível, de muito trabalho, dedicação e
comprometimento, em que fui aprendendo a fazer escolhas, algumas difíceis e
outras bem mais difíceis, das quais não me arrependo porque foram elas que me constituíram
e me trouxeram até aqui: sã e salva.
Não querendo iludir ninguém com frases de efeito
que nós líderes somos treinados para utilizar (tenho um repertório gigante
delas) mas por outro lado, também não querendo quebrar os sonhos de ninguém,
digo que o lado bom, nessa reta final, tem sido acompanhar esses últimos anos,
a chegada das start-ups e a entrada das novas gerações no mercado de trabalho,
questionando todas as regras, as claras e as subentendidas. Esse tem sido um
lado muito prazeroso e fico na torcida para que, de fato, não se deixem
contaminar no caminho e sejam capazes de fazer as mudanças necessárias. A
principal delas seria, na minha opinião, eliminar o teatro e tornar as regras
do jogo claras e acessíveis a todos. Porque aí sim, todos teriam igualdade de
condições em poder avançar, e que vençam os melhores, os mais preparados, os
merecedores e não apenas os “jogadores”. Essa geração também joga, rs, joga na
nossa cara que o sucesso está nessa harmonização da vida que levamos
com os valores que cultivamos. Sei que o dinheiro é o maior motivador que
existe (já diria meu mestre em comportamental),
portanto a mudança é difícil e a contaminação esperada, ainda assim, acredito
em um futuro bem melhor. Até porque já pude vivenciar enormes mudanças, eu me
lembro do “dress code” imposto, definindo as cores das roupas, o corte de
cabelo e até a altura da saia, sugestão de marca de relógio, dentre tantos
outros padrões "executivos", eu me lembro da lista de delinquentes
(era assim que chamavam os projetos que apresentavam desvios nos targets), da
pirâmide rígida, da inacessibilidade, das equipes pouco diversas e inclusivas,
da carga excessiva de horas no dia, das horas extras convertidas em cargo de
confiança e o que dizer da maternidade como problema real na progressão de
carreira. E poderia dar vários exemplos que não deixam dúvida que hoje temos um
ambiente infinitamente melhor. Avançamos, é verdade. E com muito ainda a
melhorar, muito mesmo, haja vista a quantidade elevada de casos relatados de
impacto na saúde mental. Nunca antes na história, tivemos tantos registros no
plano de saúde de doenças mentais, emocionais e psicológicas, parte porque se
"aceita" melhor e grande parte porque é um ambiente gerador de muitos
conflitos. Acho que se Freud vivesse
hoje, ele chamaria a "histeria"
de burnout. Certeza!!! Rs
Saio feliz por ter me dedicado
nos últimos anos a conversar com vários profissionais que sempre me procuravam,
porque enxergavam parte desse cenário e não encontravam lugar de fala e não se
sentiam pertencentes ou mesmo representados. Aquela limpeza
da chaminé, a talking cure,
como diria Anna O. para Breuer. Ou acreditavam tanto no teatro
corporativo (temos executivos no mundo corporativo que colocariam qualquer ator
de Hollywood no bolso), acreditavam tanto que todos estão bem e integrados e
felizes e motivados (só mesmo os psicólogos
sabem o que escutam na clínica) e se sentiam "errados" de
alguma forma, desencaixados, não pertencentes. Conversas muito ricas,
oportunidade para que eles pudessem ab-reagir
se liberando dos traumas. E, eu diria que meu maior mérito foi transformá-las
em conversas sempre muito divertidas. Taí, o humor é uma grande
ferramenta para manter o equilíbrio e sanidade mental. Não dá mesmo para levar
tudo muito à sério. “Brincando pode-se dizer tudo, até mesmo a verdade.” já dizia Freud analisando
a técnica por trás das piadas (chistes). Rs
E
foi assim, nominando e dando sentido para cada cena desse teatro, que fui
transformando significado em significante.
Sábio Lacan! que cunhou essa
espécie de algoritmo do sujeito,
a crença em um saber no real, voltada para significar, a partir do significante
que se impõe ao saber e o domina e, na verdade, te cura.
Não foram poucas conversas e não
foram esporádicas. As conversas mais preciosas e que me marcaram foram as que
eu sequer conhecia esses profissionais, mas eles me buscavam porque alguém
comentou ou por alguma frase que falei em algum momento. Rapport na vida real! Essas conexões que
acontecem e retroalimentam nossa coragem e abrem espaço para se ter ainda mais
esperança.
Tenho duas histórias hilárias e
marcantes na minha jornada, a da "telepatia" e a do "leite
pasteurizado", dois memoráveis atos
falhos. É muito interessante
descobrir que, quando estamos falhando, na verdade, estamos acertando, rs.
Descobrir que a mente age de maneira tão protetora é surpreendente! Através do
ato falho, pode-se descobrir quase tudo, mas, para não fugir do assunto, depois faço um
texto separado, garanto boas risadas. rs
Então me despeço desse ambiente
corporativo, muito realizada, muito feliz pelo que ele me proporcionou,
engradecida pelo poder que a "realização" tem em nos fazer sentir úteis
e importantes, e claro, com alguns efeitos colaterais, mas viva, inteira,
consciente do que vivi e de como sobrevivi (né Piaget?),
como construí e fui construída pelo meio (Vygotsky
e Wallon estavam certíssimos) e,
surpreendentemente, tendo feito poucos, mas bons amigos nessa
caminhada. E agora já pensando no futuro, desenhando esse outro lugar.
Relembrando algumas paixões antigas e super grata pela caminhada. Minha
gratidão vai muito além da minha capacitação e formação nessa profissão, o
quanto a tecnologia transformou minha vida, sempre foi minha paixão de
infância, e grata por todos os resultados que obtive, mais grata ainda porque
indiretamente me ajudou na preparação para minha próxima profissão. Hoje, mais
do que nunca, sei que essa caminhada foi um laboratório ao vivo e a
cores, pude experimentar e conviver com vários profissionais com diversos
perfis, os muitos Sniffys da vida real,
com suas neuroses, psicoses e perversões
com seus mecanismos de defesa específicos. Cada um em sua singularidade, mas
envoltos na cultura empresarial que penaliza os que tentam escapar e os
irreverentes e premia os que a defendem. Tantas sacanagens e protecionismos,
muita maquiagem e falas vazias, vários cancelamentos, um ambiente muito rico em
que vários aspectos e comportamentos saltam aos olhos, mas também com
profissionais muito bons, valiosos, sábios, corajosos que me ensinaram muito. E
também, foi um grande laboratório, para me conhecer, minhas limitações, minhas
crenças, meus filtros, estereótipos, eu digo sempre que é uma jornada de autoconhecimento completíssima.
Um presente! Ou seja, já poderia até entrar com a solicitação de dispensa do estágio obrigatório na minha nova graduação
... a Psicologia que me aguarde. Tá
pago! Rs.
Digo sem sombra de dúvidas que,
ao final, é claro que você termina se tornando quem você é. Por isso, o que
sinto é uma enorme gratidão! E ainda bem que existem outros
espaços, outras pessoas, outras carreiras. Cada dia, passo a passo, vamos
chegando mais perto! E o que realmente conta? O que está à nossa frente e para
onde escolhemos olhar.
Despeço de mim mesma, sem querer
"jogar o bebê com a água fora", foi uma experiência incrível,
poderosa, que me permitiu informatizar e implantar sistemas e processos que
fizeram um mundo muito melhor do que o que eu encontrei. Transformando os
clientes, eu me transformei, mas também me permitiu mergulhar fundo nas
questões humanas inerentes a toda essa transformação e a essa imersão no mundo
corporativo e despertou em mim minha segunda paixão, a psique humana! Não tenho como não ser grata. E
não poderia não mencionar o momento atual e a pandemia. Ou seja, sem contar
todas as adaptações em alta velocidade que foram viabilizadas, dado a pandemia,
os últimos 2 anos foram os mais intensos da minha carreira profissional.
Pandemia essa que potencializou várias questões que eu já vinha observando e
estudando, escrevendo sobre, fazia muito tempo e que emergiram com força total,
cada um se mostrando como de fato era, sem máscaras. Nada como a noção de
finitude para agilizar processos de cura planetária. Só lamento eu não ter
começado antes nessa nova área de formação, pela qual sou apaixonada desde
sempre ... mas ainda acredito que o Universo sabe o tempo das coisas e só
viabiliza no momento certo!
Até logo! Foi muito bom enquanto
durou. Foi incrível, eu diria inesquecível. Vou partir para mais uma
oportunidade ainda em tecnologia, pois é, paixão não se discute, mas, logo
logo, a psicologia entrará em cena!
E sempre que escrevo sobre, e
nesse nível de clareza, muitos me perguntam se o mundo corporativo é tão ruim, por que estar nele? Aí teríamos que entrar no materialismo histórico dialético, melhor não, né? Eu prefiro responder
com 2 reflexões. A primeira é que quando entramos não
temos a figura completa e não enxergamos tudo isso, vamos montando ao longo do
tempo, montar o quebra-cabeças faz parte do seu desenvolvimento enquanto
profissional, como disse é um jogo e as regras não são tão claras e muito menos
óbvias. Creio que a maioria não compraria a causa se já soubesse de antemão o
que de fato rola e perderia a experiência. E nessa caminhada, de irmos
descobrindo as regras por conta própria, vamos descobrindo quem somos e o que
estamos dispostos a abrir mão. Construímos o meio e somos construídos por ele.
E a segunda, porque optando por não ingressar nesse ambiente
corporativo, uma boa opção seria empreender, ser autônomo, como posso fazer
agora (logo logo rs), mas nem todos são empreendedores ou querem empreender.
Talvez passar por aqui e enxergar tudo isso até te ajude a dar o próximo passo
de maneira mais convicta, mais consciente, sem contar que o crescimento
acontece pelos conflitos e pelas crises. E talvez, exista nesse mundo
corporativo, alguma empresa mega diferenciada e que ainda tenha espaço e
ambiente, que tenham propósito real e não só o de encher o bolso dos acionistas
... talvez ir atrás daquela empresa que desde nova eu diria que iria trabalhar,
do meu ídolo de infância, que me inspirou tanto a tomar o rumo da tecnologia
... aquelas famosas letrinhas, vai saber ... mas a vida vai te levando por
outros tantos caminhos, vamos ver o que me reserva. Então é o que é, o que
importa é fazermos bom uso do que recebemos!
Por
isso minha gratidão total ao que vivi, foi a melhor alavanca que
eu poderia ter tido. Fora que, ao longo dos anos, vamos construindo coisas e
tendo retornos, financeiros, reconhecimentos e satisfação profissional,
"apesar de". Por isso sempre digo que não se trata de retratar,
de relatar tudo isso para que os profissionais iniciantes no mundo corporativo,
já na largada, desistam de estar nesse ambiente, pelo contrário, a intenção é
contribuir, compartilhar, fazer a minha parte, para que os profissionais,
reflitam, saibam como funciona, saibam se sair melhor do que eu mesma me sai e
muitas vezes se proteger das figuras tóxicas e desviar do que não fará bem e
não trará futuro, do que não vale a pena ser vivido. Somos altamente
responsáveis por fazermos as próximas gerações serem melhores do que a nossa
geração. É uma passagem de bastão! É um mundo caricaturado e por ser
assim tão exagerado, evidencia os pontos que realmente temos que prestar mais
atenção. Ou seja, aproveitem muito todas as oportunidades, é um
crescimento e tanto, muitas situações cômicas e outras tantas trágicas, mas o
crescimento é garantido. Não é meu primeiro texto e com certeza não será o
último. Sou encantada por escrever e o mundo corporativo é muito instigante e
interessante, ainda tem muito por vir ... tenho um livro em andamento! rs
E
mais ... o que me move, inspirar a todos a fazer a diferença, evocar a coragem,
ser a mudança que você quer ver, mesmo que só na sua bolha e na sua alçada de
atuação. O que está ao seu alcance. Não importa, cada um contribui
da maneira que se tem. Exatamente o que fiz durante todos esses anos e o que me
motivou a seguir em frente. E por essa forma de agir e pensar, claro, sou
idealista e já fui muitas vezes para o "paredão", nunca eliminada da casa
rs, mas dessa vez, é diferente, eu mesma peço para sair, com muita
tranquilidade e humildade e estando muito empolgada com a próxima etapa que se
inicia. Parece teatro? Você pode estar pensando, se chegou a ler meu
texto até aqui, o que eu duvido, rs, que essa garota foi demitida e agora
está aí posando de bacana dizendo que pediu para sair, daqui a pouco vai dizer
que vai passar um ano sabático no exterior, acertei? Não, errou. Se eu
fosse atriz até usaria sim, essa justificativa, ano sabático, é boa, mas já
está batida né? O mundo corporativo está cheio de teatro então até entendo a
dúvida. Parece teatro mesmo, mas dessa vez não é!!! Prefiro que você me coloque
na conta das pessoas sem noção, malucas de dizer tudo isso e nadar contra a
correnteza. Acho que se aproxima mais do que eu sou! rs. O mundo precisa de
idealistas, o mundo corporativo mais ainda.
Bom, é isso! Por fim, eu diria que em geral, crescemos com um forte apego a um Plano A, que foi construído por muito tempo, normalmente na adolescência já começamos a nos intitular, nomear o que seremos e o que estudaremos, necessitamos de uma ideia de como nossas vidas serão e o que precisamos fazer para alcançar nossos sonhos, nossas metas, sermos "bem sucedidos". Tudo isso atravessado pela Cultura que estamos inseridos. O que Freud e Lacan chamariam de Ideal de Eu x Eu Ideal, rs, Gênios! Então, o Plano A vai ficando tão enraizado, que se mistura com quem somos, vira uma coisa só. Mas aí, em algum momento da vida, cedo ou tarde, de maneira natural ou quando algum imprevisto nos atropela, ou não, quando puxam o nosso tapete, quando simplesmente nossa visão se amplia, nos damos conta de que precisamos desenvolver um Plano B, encontrar formas de superar a situação, aprender com ela, retomar o eixo, ou mesmo formas de crescer, de mudar, de fazer algo que tenha mais a ver com quem você se transformou. Simplesmente seguir em frente. Essa é a beleza dessa vida!
É uma escolha, eu escolhi me tornar quem eu sou. E agora na pista (contando os meses que ainda estão pela frente para fechar essa página em definitivo, achei que seria mais rápido, até porque já se percebe que eu não sou artista e muito menos jogadora, mas contrariando todas as minhas expectativas, parece que eu "farei falta" rs e por isso meu desligamento está demorando um pouquinho mais do que o normal) e já muito feliz com essa nova oportunidade (ops! spoiler), muito realizada e ansiosa pelos próximos semestres e pela possibilidade de enveredar por lugares nunca dantes percorridos. A vida realmente vale a pena ser vivida! Quanto mais real é a vida que levamos mais felicidade ela nos traz. Como diria Lacan, a angústia é o afeto que não engana! Rs
Foto: 05/Ago/2022
Essa aí da foto, sou eu, hoje, de saída, idealista, apaixonada, cheia de
sonhos e motivada ao extremo, exatamente da mesma forma que eu estava na
primeira foto, exatamente no mesmo local, no mesmo escritório ... na mesma
praça, no mesmo banco, rs rs rs com as mesmas flores, no mesmo jardim, rs rs rs
essa empresa tem muito pra mudar.
Já eu, posso dizer que mudei muito ... Ainda bem!
Fato é
que, talvez, a gente se encontre por aí, nessas muitas voltas que a vida dá ...
as clínicas estão lotadas e nada como ter do outro lado, alguém que tenha
passado por aí. Quando a prática encontra a teoria, rs rs rs no mundo invertido!
#tecnologia #psicologia
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