São
muitos anos no ambiente corporativo e muitas histórias para contar. Algumas
fantásticas e outras trágicas, mas é assim mesmo, um ambiente rico e único, tem
suas regras e seu complexo contexto, feito para poucos que possuem
características específicas e que não se importam de se modelarem ao que se é
exigido a cada tempo.
Os
conflitos no ambiente de trabalho são muitos, desde piadas e assédios, passando
por "puxadas de tapete", falta de reconhecimento, fofocas, problemas
pessoais e o relacionamento entre os funcionários. Para mim não perde nada para
um reality show, com uma única e importante diferença, não se tem o público
participando desse show e isso faz toda a diferença. Em um reality, quantas
vezes vimos o malvado e sem escrúpulos se dar bem dentro da casa, mas ai entram
as câmeras e o público sempre apoia o lado mais fraco, vulnerável e perseguido
pelos demais. Eu diria que nas empresas ocorrem o contrário, pela ausência de
público, as panelinhas se sobrepõem e portanto, o que aconteceu é o que se quer
que tenha acontecido, simples assim. Quantas vezes já vi situações muito
semelhantes, para não dizer idênticas, serem tratadas de maneira muito díspare
e sem nenhum embaçamento, racional que justificasse esse tratamento
diferenciado. Seria muito legal, se os ambientes corporativos tivessem câmeras
para acesso do público, a saúde mental agradeceria e muito.
Entre
tudo que já vi de mais perverso, posso resumir que sempre está ligado a
invalidar algum profissional, retirar dele o senso de pertencimento e auto-estima.
Todas as maldades estão sempre intimamente ligadas a excluir o profissional do
"padrão" da empresa. Claro que tudo é disfarçado em frases bem
elaboradas e que para um observador distraído, faria sentido. Sempre se diz que
trata-se de problema de performance ou que se trata de não adequação a cultura
e valores da empresa. Como se os "avaliadores" tivessem certificação
para julgar quem serve e quem não serve. Sei que muitas demissões são
necessárias, quando tecnicamente não foi possível treinar, resgatar o
profissional ou quando o mesmo tem atitudes pre-conceituosas e intoleráveis.
Mas eu me arrisco a dizer, que 99% das demissões são relacionadas à não
adequação aos "valores" e "cultura" da empresa que eu posso
resumir de maneira bem objetiva para "eu não gosto de você e por isso você
está fora".
Tudo
isso está relacionado ao fato de termos nos tornando uma sociedade líquida, em
que temos preguiça de constuir e recuperar coisas e também pessoas, preferimos
trocar, dá muito menos trabalho. Esse imediatismo, vontade de se ter ganhos
rápidos e a falta de inteligência emocional são sempre os protagonistas nesse
cenário corrompido. Também entendo que tem uma parcela que nada tem a ver com o
lado pessoal, simplesmente porque trata-se de uma grande esteira e portanto
ninguém está a salvo. Como na política, basta trocar a gestão e com isso todos
os "acessores" caem. Um ambiente corporativo funciona como uma grande
roleta, tudo é mutável, incluindo aqui, os "valores" e a
"cultura". Porque, vamos combinar, a cultura da empresa tem sido tão
somente lucrar e encher o bolso dos acionistas. Nada é real, tudo é bem
maquiado e disfarçado. Os profissionais demoram a perceber onde estão
inseridos, as vezes, demoram bastante, e é esse lead time que faz com que a
máquina funcione. Quando alguns estão acordando, já são eliminados da casa e
entram novos, motivados e inexperientes. O ciclo é interminável. E o que vejo,
é que a medição de sucesso, sempre é o dinheiro que se ganhou no processo e não
o legado que você deixou, as vidas que foram transformadas e a diferença que se
fez para o mundo. É um esquema tão bem elaborado e tão coeso que fica bem
difícil ir contra ou tentar qualquer movimento em sentido oposto. E ainda
tem-se as redes sociais, algumas especializadas nisso, para se mostrar o que
não se é, demonstrar uma felicidade profissional irreal, fazer propaganda de
programas, benefícios e de ações solidárias e sustentáveis, para atrair a
próxima leva de profissionais, para que a roda gire. E o esforço dispendido
nessa propaganda é enorme e incentivado. Quantas vezes já ouvi de gestores,
pedindo para suas equipes, "invadirem as redes" e o pior, invadem
mesmo, sem senso crítico, sem de fato se aprofundar no que de fato está sendo
veiculado, será verdade? será nessa proporção que estão exibindo? gerou de fato
os resultados apresentados? Não, os profissionais correm para publicar nas
redes sociais, como que dizendo, "eu pertenço a esse lugar', "o lugar
é excelente e eu sou excelente igual". Acho que as redes servem mais para auto
promoção do que para de fato promoverem as empresas. Qualquer um que está ali
na rede social, bradando em nome de sua empresa, dizendo ser o melhor lugar do
mundo, é o mesmo que aceitaria qualquer entrevista com RH de outras empresas,
sem pestanejar. Eles mesmos sabem que "enganaram" os demais nas
publicações e não sei porque, não entendem que as outras empresas são muito
parecidas e que ele está sendo "enganado" também. Um ciclo constante
e que me parece que interrompível. Infelizmente.
O que
me perguntam é: qual a solução? tem solução? o que fazer? Acho que todos têm a
resposta, nada novo e nada tão diferente do básico. Então acho que nem
precisamos entrar em detalhes. É óbvio, tratar as pessoas com respeito, ser
inclusivo, ensinar e acompanhar, treinar, suportar, construir um time e por ai
vai. Mas gostaria de falar aqui do que, de tudo o que podemos listar aqui, o
que para mim é o mais importante: as pessoas e o senso de
pertencimento.
Nós
somos seres gregários, gostamos e precisamos estar em grupos, crescemos e nos
desenvolvemos através dos relacionamentos com os outros, precisamos do outro
para nos construirmos. E nesse sentido, temos que nos sentirmos pertencentes a
um grupo. Que pode ser um grupo social, familiar, profissional, pode ser o
grupo do condomínio, do clube ou qualquer grupo. Grupo com interações, com
papéis, em que se reconheçam suas habilidades, em que sejam admirados, em que
sejam ouvidos, em que tenham lugar de fala, em que possam "ser" que
vai muito além de "existir". Eu me arrisco a dizer que reduziríamos a
patamares baixissimos os problemas de saúde mental e até saúde física, pelo
simples fato de se pertencer a algo maior que você mesmo. Ou seja, o senso de
pertencimento tem um viés emocional, relaciona-se à forma como o profissional
enxerga a empresa para a qual trabalha. O senso de pertencimento está muto além
do vínculo profissional, quando esse sentimento existe, o profissional se vê
como parte de algo muito maior, membro de uma comunidade, e isso faz com que o
profissional se sinta de fato acolhido, querido e relevante. Ele deixa de ser
um número e passa a ser alguém diferenciado e conhecido, o que alimenta o seu
emocional e aumenta os seus estoques de saúde. Gosto de brincar com a palavra
de "pertencimento" e chamá-la de "preenchimento", pertencer
é estar preenchido, satisfeito, cheio, com os estoques saudáveis. O senso de
pertencimento contamina, é um efeito em cadeia, quando o profissional se sente
parte de algo, esforça-se para que os outros profissionais também se sintam e
enxerguem da mesma forma, todos acolhem todos e o grupo se fortalece.
Um ingrediente
simples: senso de pertencimento! Mas a mudança de atitude é enorme, sair do individual
para o coletivo!
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