Trabalhei por anos como analista de sistemas. Foram anos imersa em códigos, servidores, bancos de dados, integrações complexas e projetos que precisavam rodar com precisão milimétrica. Vivi de perto a adrenalina das entregas, as madrugadas em claro diante de erros que insistiam em reaparecer, o peso das metas e a constante sensação de que o tempo nunca era suficiente. Durante esse percurso, observei em mim mesma e em meus colegas de profissão algo que ia muito além do cansaço físico: havia sofrimentos silenciosos, difíceis de nomear, que se escondiam atrás das telas e dos relatórios.
Foi justamente nesse ponto de encontro — entre códigos e emoções — que nasceu o desejo de me dedicar à Psicologia. A decisão não surgiu do nada: ela foi amadurecendo a partir de uma constatação dolorosa e, ao mesmo tempo, libertadora. A área de tecnologia, que tanto me ensinou, também me mostrou de perto os custos emocionais de viver num ambiente de alta performance, onde a exigência mental é constante e a pressão por resultados raramente dá trégua.
Assim nasceu a PsiT.ech, meu projeto pessoal e profissional voltado à promoção de saúde mental com um olhar especial para quem trabalha com tecnologia.
Os bastidores invisíveis da vida tech
Quando pensamos em tecnologia, a imagem que geralmente vem à mente é a de inovação, velocidade, soluções inteligentes e carreiras promissoras. De fato, a área é um motor essencial da sociedade contemporânea. Mas por trás dessa vitrine de eficiência e criatividade, existem bastidores carregados de experiências psíquicas complexas e, muitas vezes, dolorosas.
Profissionais de tecnologia enfrentam desafios singulares, que nem sempre são compreendidos por quem está fora desse universo. Alguns exemplos:
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Jornadas exaustivas: a cultura do "sempre online" cria a sensação de que o trabalho nunca termina. Muitas vezes, não há uma clara separação entre vida pessoal e profissional.
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Alta exigência cognitiva: lidar com problemas complexos diariamente exige não apenas raciocínio lógico, mas também memória, concentração e criatividade constantes. Isso esgota.
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Metas agressivas e prazos irreais: a pressa do mercado para lançar produtos e serviços pode transformar o cotidiano em uma corrida interminável contra o relógio.
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Ansiedade por desempenho: o medo de "não dar conta" ou de não estar à altura dos colegas alimenta quadros de ansiedade, estresse e até síndrome de burnout.
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Insegurança no ambiente de trabalho: a velocidade das mudanças tecnológicas cria a sensação de que é preciso estar sempre estudando, sempre atualizado, sob o risco de se tornar "obsoleto".
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Solidão em meio ao excesso de conexões virtuais: paradoxalmente, muitos profissionais que passam o dia conectados relatam sentimentos de isolamento, falta de pertencimento e dificuldade de criar vínculos significativos no trabalho.
Esses fatores combinados produzem um terreno fértil para o adoecimento psíquico. Depressão, ansiedade, esgotamento, problemas de autoestima e até dificuldades nos relacionamentos pessoais são consequências frequentes — mas muitas vezes silenciadas.
Por que Psicologia para a tecnologia?
Minha escolha pela Psicologia não foi apenas uma mudança de carreira, mas uma continuidade em outra direção. Depois de anos vivendo o mundo tech, percebi que havia algo que precisava ser dito: não somos máquinas.
Somos humanos programando máquinas. E justamente por sermos humanos, estamos atravessados por limites, desejos, angústias, vulnerabilidades e contradições. Por mais que a lógica do código pareça binária e precisa, nossa experiência subjetiva é feita de nuances, incertezas e afetos.
Foi nesse ponto que a Psicanálise, a Psicologia da Saúde e outras perspectivas teóricas me ofereceram ferramentas para compreender aquilo que eu e tantos colegas sentíamos, mas não conseguíamos nomear.
Hoje, enxergo que minha experiência como analista de sistemas foi também um laboratório humano: um campo de observação de sofrimentos, defesas, estratégias de sobrevivência e desejos que atravessam a vida de quem trabalha com tecnologia. E é a partir dessa escuta e desse percurso que construo a PsiT.ech.
O que é a PsiT.ech?
A PsiT.ech nasce como um espaço de reflexão e cuidado, que une duas áreas aparentemente distantes: Psicologia e Tecnologia. Mas, na verdade, elas dialogam de maneira muito íntima. Se a tecnologia molda nossa forma de viver, pensar e nos relacionar, é natural que a Psicologia precise estar presente para compreender seus efeitos e acolher as dores que emergem daí.
Meu propósito com este projeto é:
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Promover saúde mental entre profissionais da área tech.
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Dar visibilidade aos sofrimentos específicos desse grupo.
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Criar pontes entre conhecimento técnico e compreensão subjetiva.
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Oferecer escuta qualificada, fundamentada em minha formação em Psicologia e em minha vivência como profissional de TI.
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Abrir diálogo sobre formas de equilibrar inovação, carreira e bem-estar psíquico.
A PsiT.ech não é apenas um blog, mas um espaço de encontro, troca e reflexão. Quero que cada texto aqui publicado seja um convite a olhar para além das linhas de código e reconhecer o humano que habita o "back-end" da vida digital.
Entre o digital e o humano
Vivemos um tempo em que a tecnologia não é apenas uma ferramenta, mas um ambiente no qual existimos. Nossos laços, nosso trabalho, nossa forma de aprender e até de amar passam, em alguma medida, pelas telas. Isso torna o cuidado com a saúde mental ainda mais urgente.
Profissionais de tecnologia não precisam apenas de atualização técnica — eles precisam de espaços de pausa, de reconhecimento, de elaboração das próprias emoções. É nesse espaço que a Psicologia pode atuar: não como um manual de instruções, mas como uma escuta aberta ao inesperado, ao singular de cada sujeito.
Se nos sistemas buscamos a eficiência máxima, na vida psíquica precisamos aceitar a complexidade, a falha, o imprevisto. O encontro entre Psicologia e Tecnologia, para mim, é um convite a resgatar essa dimensão humana em meio ao ritmo acelerado da inovação.
A PsiT.ech nasce do meu próprio percurso: anos de experiência em tecnologia e o desejo profundo de compreender os bastidores invisíveis desse universo pela via da Psicologia. É um projeto que une minhas duas formações, mas sobretudo, que une minha história pessoal ao compromisso ético de oferecer cuidado.
Se você trabalha com tecnologia e já sentiu na pele a pressão, a ansiedade, o cansaço ou a solidão que descrevi, este espaço é para você. Aqui, a lógica não é a do código binário, mas a da escuta e do acolhimento.
Porque, no fim das contas, podemos até falar em sistemas, servidores e algoritmos — mas é sempre de pessoas que se trata.
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