Sempre fui conectada às maquinas. Desde pequena, já me encantava pelas
máquinas, tudo que pudesse "agilizar" a vida das pessoas!
Tudo culminou com um curso de "computação" que meu pai me colocou,
quando eu tinha 9 anos. Lá aprendemos muito sobre tecnologia e como era a
"profissão do futuro", aprendemos a programar e voltei para casa, com
meu "código" impresso em que algumas tarefas bem simples eram
executadas na tela do computador. Mesmo com a tela verde, fazendo apenas o
cursor se movimentar de maneira autônoma, para mim já era como ter pisado na
lua. Era a prova de que o computador iria substituir o homem em muitas tarefas
repetitivas. E essa foi a minha pergunta para o instrutor, se os computadores
vão substituir o homem, o que o homem irá fazer!?!?!?! Aquilo me parecia muito
forte, porque seriam então os computadores x o homem. E ele foi muito hábil na
resposta, para não afetar o meu desejo, naquele momento, ele me disse que
tarefas repetitivas e perigosas seriam realizadas por computadores. Então os computadores
trariam mais qualidade de vida para as pessoas e liberariam o tempo para
tarefas "mais importantes". E quando mais eu ouvia, mais eu ficava
encantada. Maravilhada com todas as inúmeras possibilidades! Eu imaginava um
robozinho andando na rua e por todos os lados, realizando tudo. Sai de lá com a
mensagem muito clara: retirar da frente o que podia ser automatizado e
informatizado, para que as pessoas pudessem focar em "coisas mais
nobres", em se conhecerem e em viverem muito melhor.
Voltei para casa com o meu "certificado" de participação no curso.
Muito orgulhosa. Muito feliz de saber exatamente o que eu queria fazer
"quando crescesse". E desde então não parei mais.
Lembro também de uma vez que eu fui ao trabalho do meu pai, como eu adorava
ir lá, ver aquele ambiente, todos nas suas mesas, um monte de papel (rs)
e muitas tarefas. Ele viaja muito, era importante, saia no jornal, dava
entrevistas, era professor também e tudo mais. E eu me lembro, que depois do
curso, a minha forma de ver tudo mudou. Eu perguntava o tempo todo para ele:
Pai, aquela pessoa carimbando aqueles documentos, um robô poderia fazer né? E
ele dizia: sim, poderia e ele teria mais tempo para estudar e aprender coisas
novas. Quando o menino do xerox passava entregando documentos ou o menino do
café, eu fazia a mesma pergunta. Pai, um robô poderia servir o café, né?
E eu gostava muito de assistir os telejornais do lado do meu pai. Tentando
entender alguma coisa e ansiosa por notícias do "futuro", era assim
que eu gostava de chamar, e sempre que apareciam reportagens de avanços na
ciência, na saúde, etc, era ele que me dizia, sabe isso ai? Já é feito por
robô, isso ai já é trabalho de muitos engenheiros da computação e analistas de
sistemas.
Entrei no curso de datilografia e ele me dizia que se eu ficasse boa, eu
iria me dar muito bem com os computadores, porque eu digitaria bem rápido,
digitaria tudo certinho. Ai ele comprou uma máquina de escrever eletrica e que
tinha memória, vc datilografava tudo, ia corrigindo e ela depois conseguia
imprimir "sozinha". Então já na escola eu levava tudo impresso, meus
trabalhos eram super bonitinhos e eu já me sentia toda
"automatizada". Era como se o futuro já estivesse sempre próximo de
mim de alguma forma. Sem contar os primeiros video games e nós dois na nossa
"oficina" já bolando coisas.
Não preciso nem dizer que não tive dúvida alguma ao escolher minha
graduação, queria ser analista de sistemas, eu queria "desenhar" o
que o computador iria fazer. Eu queria mudar o mundo, como todo adolescente.
Mesmo antes de entrar na faculdade, lembro quando criamos um programa (em
Clipper) de mala direta para cadastrar todos os clientes do meu pai. Compramos
os CEPs nos Correiros, lembro eu voltando da cidade com meus disquetes, me
sentindo toda importante e confiante porque iríamos incrementar o programa,
buscando e preenchendo os endereços automaticamente. E começamos a cadastrar os
aniversários também e mandar cartões e cada dia iamos colocando mais coisas no
nosso "sistema". E teve também os perrengues: perdemos tudo, arquivos
corrompidos, o que nos fez pensar na solução e aí definimos rotinas de back-ups
periódicos, também íamos registrando as reuniões com cada cliente, o que eles
haviam contratado, os status dos processos, etc. Sistema operacional, banco de
dados, códigos fontes, linguagens de programação e por ai fomos. Quando entrei
na faculdade "já tinha experiência" e me orgulhava de estar no lugar
certo. Foi ai que ganhei meu primeiro computador, meu desktop, gigante, pesado.
Um PC para chamar de meu, rs. E com processador 286. Depois fomos evoluindo:
286, 386SX, 386DX, 486SX, 486DX, até que finalmente ganhei o Pentium.
Já na faculdade, além da parte técnica, tinhamos também muitas disciplinas
de Filosofia, História da Computação, Organização e Métodos, Homem e Sociedade,
etc em que discutíamos a relação do homem com a máquina. Seria mesmo a máquina
a melhor amiga do homem? E ai, foram surgindo vários questionamentos, em
relação a ética, a segurança da informação. Eu comecei a ver que muitas empresas
informatizavam suas áreas e não se preocupavam em "despejar" vários
profissionais no mercado. Ou mesmo, o simples fato de substituirem uma
tecnologia para outra, já deixavam muitos profissionais obsoletos e
"descartáveis". Consegui meus estágios em empresas grandes e me
lembro quando após 1 ano estávamos com o "sistemas de compras"
pronto, eu ajudaria no treinamento dos usuários, tinhamos um cronograma de
implantação. Só que o contato no dia a dia com tudo isso, a história pessoal de
cada usuário, a falta de formação de muitos e a preocupação em como
conseguiriam se recolocar, eram muitas das perguntas para as quais eu não tinha
resposta. Mas tudo bem, não tinha sido assim na Revolução Industrial? Tudo
certo! Eu ficava tentando me convencer de que esses "problemas" não eram dos analistas! As pessoas de adaptam, o mundo caminha para frente! As mudanças são
sempre para melhor. Todos focavam sempre no sucesso das implantações, eu também
comemorava e minha carreira ia se construindo, mas no fundo, tinha aquele
"vazio" porque eu ficava imaginando onde tinham ido parar todas
aquelas pessoas! E essa sensação independia do local, da empresa, do sistema, do país. Tive a mesma sensação em relação às pessoas nos projetos que participei aqui no Brasil e quando fizemos o projeto na Austrália, naquela planta em Sidney, a forma que todos olhavam a "equipe de implantação", "os caras da tecnologia" que iriam mudar tudo. Da mesma forma na Espanha, na Argentina, na Alemanha e por todos os lados que os projetos me levaram. Óbvio que o cenário econômico do país dava mais ou menos segurança e conforto aos profissionais de que iriam se realocarem ou se qualificarem em outras funções, mas mesmo quando isso era garantido, a mudança proporcionada já afetava emocionalmente os envolvidos de alguma forma. E "os caras da tecnologia" não se preocupavam com isso, eu achava que deveríamos porque afinal de contas, fomos nós que geramos a mudança.
Minha mente sempre estava ai, nesse ponto, tentando encontrar solução: Trabalho braçal x Capital intelectual. Obviamente, essa revolução tecnológica também tem seu lado negativo.
Trazendo para a realidade brasileira e de outros países emergentes, a falta de
investimento do governo na educação dificulta a profissionalização da
grande parte da população, dificultando o ingresso ao mercado de trabalho.
Fora que estamos lidando globalmente com questões muito maiores, dimensões
gigantescas, como a China - Indústria e a India - Serviços.
Não se trata apenas de estudar
e se especializar para solucionar os problemas das baixas e extinções de postos
de trabalhos. Trata-se de planejamento familiar, controle de natalidade, plano
diretor para as melhorias nos IDH e etc. Isso explica o porque do tão crescente
trabalho informal no mundo. Nenhum grupo de investidores no mundo, vai convocar
um grupo de especialistas para projetar e desenvolver uma máquina que substitua
numa linha de produção 500 pessoas, e depois da máquina concebida com
sucesso essa mesma organização vai abrir 500 novos postos de trabalhos para
pessoas “qualificadas” com os mesmos salários e benefícios dos 500 postos
extintos anteriormente na antiga linha de produção. Isto não existe! Comecei a
me questionar sobre a nossa responsabilidade, enquanto profissionais de
tecnologia, com as pessoas e também com o lixo, os resíduos tecnológicos e os
materiais que iam ficando obsoletos. E logo fui me interessando por muitos temas e lendo muito, fui entrando no campo das Ciências Sociais, Antropologia, Filosofia. Entender o homem e não só a máquina, era isso. Eu precisava de entender o homem.
Veio daí, desse momento, meu
interesse pelas pessoas, o que está atrás das máquinas. Comecei a procurar
muita literatura a respeito e ai meu interesse por Psicologia foi se
fortalecendo, primeiramente de uma maneira muito amadora, em tentar entender
como o ser humano "funciona", qual é seu chip, como é o ciclo de
vida, quais as fases, as emoções, a cognição. E um mundo se abriu. Comecei a me
interessar tanto por gente, que fui começando a participar mais da parte de
treinamentos, de ensinar as pessoas a utilizarem os sistemas, eu gostava de
revisar os manuais que criávamos para ver se eram amigáveis, se seriam
entendidos pelos usuários. Criamos, na indústria que eu trabalhava, um programa
que chamavámos de "Usuário Nota 10", aquele que além de compreender e
utilizar muito bem os sistemas também contribuiam com a área de tecnologia e
traziam as críticas e sugestões de melhorias para as rotinas e para os
sistemas. Eram os parceiros da área de tecnologia, Foi a forma que encontramos
de desmistificar a tecnologia e a colocar em prol de todos, independente da
função que exerciam na empresa.
Depois de alguns anos
desenvolvendo os sistemas que usávamos, fomos invadidos pelos
"pacotes" que já chegavam prontos e que precisávamos customizar para
a realidade da empresa. Usuários chaves, customizações, implantações longas,
interfaces com os legados. Depois os pacotes já vinham com quase tudo pronto,
muitos concorrentes, muitas opções. Daí a web, tudo conectado, não demorou para
o surgimento dos apps, da cloud, blockchain, internet das coisas e tudo foi e
vem evoluindo de maneira muito rápida. Enfim, a tecnologia sempre foi minha
paixão. Lembro com muito carinho das muitas implantações que participei, vários
países, vários segmentos, muitas industrias. Conheciasse muita gente ao longo
do caminho ... pessoas de todos os tipos. Muitas histórias.
Esse sentimento de ser
responsável pelas pessoas afetadas pela tecnologia começou a se tornar muito
central em mim. Cada vez mais, minha atenção estava focada em entender como
emocionalmente as pessoas eram afetadas pelas "modernidades" e pelo
"progresso". Começou ai a minha jornada, escrever sobre o tema foi se
tornando uma paixão. Culminando em eu buscar uma graduação em Psicologia. Onde
estou conhecendo muito, renovando meu desejo, empolgadíssima com tudo, parece
que tudo vai se conectando de alguma forma. Tudo vai passando a fazer sentido,
a Psicologia me ajuda a entender vários dilemas, que atuar na Tecnologia, me geraram, nos
quais dedico meu tempo atualmente, além de que a Tecnologia tem me ajudado muito no mundo
da Psicologia, muitas ferramentas disponíveis que tornam o meu dia a dia de
estudante de Psicologia melhor, além de me permitir aprofundar muito
mais.
É a Tecnologia ajudando na
Psicologia e a Psicologia ajudando na Tecnologia.
Não sei onde tudo isso vai me
levar e muito menos onde tudo isso vai dar. E pela primeira vez me permito não
saber, porque tenho entendido que não tem a menor importância a chegada em si,
a caminhada é o que de fato importa!!! Entre uma reflexão e outra, minha vida profissional tem ganhado muito mais propósito!