Fiquei pensando no que você me disse ontem, engraçado porque é uma fala do senso comum, mas muito dita e pouco pensada.
E então resolvi fazer um certo ajuste na sua fala, ainda mais, porque sendo da área, você não pode mais se dar ao luxo de confundir conceitos, ou validar o senso comum em detrimento da precisão conceitual.
Posso te afirmar que você não é obsessiva, não procrastina. Você é histérica. Clássica.
A neurose obsessiva e a histeria são caminhos distintos dentro da subjetividade humana. A obsessão se manifesta no excesso de controle, na tentativa incessante de ordenar o mundo interno e externo por meio de rituais, repetições e análises intermináveis. O obsessivo teme a perda de controle e, por isso, adia decisões, repassa infinitamente os mesmos pensamentos e se protege na paralisia da dúvida. Seu refúgio é a certeza, sua angústia nasce da possibilidade de errar.
Já o histérico, ao contrário, movimenta-se na incerteza. Ele não se protege da dúvida, mas a amplifica, encena, dramatiza. Enquanto o obsessivo busca uma resposta definitiva, o histérico coloca novas perguntas, seduz a escuta do outro, joga com as possibilidades. Sua dor não vem da inação, mas da constante necessidade de ser reconhecido, de se reinventar, de sustentar a falta que o habita sem jamais preenchê-la completamente.
Há algo curioso: muitos se identificam como obsessivos, pois há um certo prestígio na imagem de alguém meticuloso, disciplinado, atento aos detalhes. Poucos, no entanto, se reconhecem como histéricos. A histeria carrega um estigma – de exagero, de manipulação, de instabilidade. Mas a verdade é que o histérico não se limita a repetir padrões fixos como o obsessivo. Ele provoca rupturas, tensiona o que está posto, é o sujeito do desejo que se desloca, que não aceita a rigidez dos significados.
Se o obsessivo busca controlar o desejo, o histérico se alimenta dele. O obsessivo quer certezas, o obsessivo já sabe quem ele é, mas vai demandar que você o reconheça para preservar suas certezas. O histérico se lança ao vazio, pede uma confirmação de lugar para o outro, tira a minha dúvida de quem eu sou. O histérico está sempre insatisfeito, o obsessivo é da ordem do impossível, da impossibilidade. Nenhum dos dois encontra plena satisfação, mas cada um lida com a angústia de forma distinta.
O problema é que escolhas têm consequências dramáticas, e sustentá-las exige muito. A histeria exige. Converte para o corpo, prefere isso a ter que dar conta do seu desejo. O Obsessivo converte para o pensamento, prefere entrar em um loop infinito do que se a ver com seu desejo. Não há um caminho fácil, mas há, sempre, um caminho possível.
Histeria. A palavra pesa. Causa desconforto. Pouca gente a assume. Mas vamos pensar melhor: a histeria não é sobre indecisão pura e simples, nem sobre preguiça ou falta de controle. É sobre desejo e angústia. Sobre colocar o outro no centro da cena e, ao mesmo tempo, escapar do olhar dele. É a busca por um saber que nunca se completa, que sempre se desloca. A histérica pergunta e pergunta, mas, no fundo, não quer uma resposta definitiva – porque ela mesma é a pergunta.
Já a neurose obsessiva opera de outra forma. O obsessivo quer o controle absoluto. Ele calcula, antecipa, se prende a rituais e repetições. Não age porque quer garantir que tudo estará sob domínio. E enquanto isso, o tempo passa. O desejo fica em suspenso.
Na histeria, não. Há movimento. Há um jogo constante entre se mostrar e se esconder, entre provocar e recuar. A histérica age, mas depois se pergunta: "será que era isso mesmo que eu queria?" E recomeça o ciclo.
Então, volto a dizer: você não é obsessiva, você não procrastina. Você é histérica. E reconhecer isso não é um problema. Pelo contrário, é uma estrutura clinica, como as outras.
Só precisa saber até que ponto você está no controle do jogo – e não sendo jogada por ele.
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