"Se você é pau pra toda obra, pode se preparar: toda hora vai ter obra."
A frase circula como piada, mas descreve com precisão uma dinâmica recorrente nas organizações contemporâneas.
Ambientes que se propõem inovadores, ágeis e orientados a desempenho frequentemente recompensam a hiperdisponibilidade com mais carga de trabalho. O profissional que se mostra capaz de resolver múltiplas demandas, que assume responsabilidades fora de escopo e mantém uma postura de prontidão contínua, rapidamente se torna o “recurso estratégico” — mas, paradoxalmente, também o mais vulnerável.
Essa lógica não se baseia em reconhecimento genuíno. Ela se ancora na utilidade. Em vez de sujeito, o trabalhador passa a ocupar o lugar de meio, de peça funcional que precisa operar com eficiência, sem falhas e sem pausa.
A psicologia organizacional há muito tempo aponta os riscos dessa configuração. Quando o valor profissional é medido exclusivamente por entregas, e não por vínculos, limites ou sustentabilidade emocional, o esgotamento se torna inevitável. O burnout, cada vez mais presente em setores de alta performance, é apenas a expressão mais visível de um sistema que recompensa o excesso — até que ele se torne disfuncional.
Mais do que uma falha de gestão, trata-se de uma lógica estrutural. A substituição rápida de colaboradores que deixam de “performar” não é acidental: é parte do funcionamento. Um ciclo contínuo de uso e descarte, que transforma competência em sobrecarga e lealdade em invisibilidade.
Curiosamente, os profissionais que melhor se adaptam a esse sistema nem sempre são os mais capacitados tecnicamente. Muitas vezes, são os que compreendem as dinâmicas de poder, que estabelecem alianças estratégicas, que sabem parecer ocupados sem se expor ao desgaste. Em outras palavras, sobrevivem não os que entregam mais, mas os que sabem navegar o jogo organizacional.
Essa realidade exige uma reflexão mais profunda sobre os modelos de valorização vigentes. O mérito, isolado da política interna, torna-se insuficiente. A entrega, sem proteção institucional, vira risco. E o engajamento sem limites, embora elogiado, muitas vezes serve apenas para perpetuar uma lógica de exploração sob a aparência de reconhecimento.
No campo clínico, observa-se o reflexo dessas dinâmicas. Profissionais adoecidos não apenas pelo excesso de trabalho, mas pela internalização de uma crença: a de que é preciso ser sempre útil para ter valor. Uma lógica aprendida desde cedo, reforçada por sistemas que premiam a performance e negligenciam o cuidado.
O desafio, portanto, não é apenas individual. É organizacional. Repensar as culturas que confundem produtividade com disponibilidade irrestrita é urgente. Não se trata de abrir mão da excelência, mas de construir ambientes onde o reconhecimento venha acompanhado de sustentação, e onde o sujeito não desapareça atrás do cargo que ocupa.
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