Dizem que o analista não pensa nos seus pacientes depois que a sessão termina.
Eu penso. E muito.
Penso nas palavras ditas e nas que ficaram suspensas no silêncio. No olhar que vacilou, no riso que escondeu a dor, na raiva contida que denuncia algo muito maior. Penso naquilo que se repete sem fim, na luta interna entre construir e destruir, no desejo de pertencimento que nunca encontra pouso.
Escrever me ajuda a organizar essas reflexões. Não para encontrar respostas – porque a análise não é sobre respostas – mas para dar forma ao que insiste.
Eu me entrego muito ao paciente, sempre preciso de uma descompressão posterior, por isso escrevo. E nesse movimento vou caminhando entre os significantes, até que um significado possa se fazer presente, para mim. Porque é o paciente que chega nos seus próprios.
Segue um trecho: Aqui misturo pacientes, confundo, poetizo, porque o sigilo é algo inegociável.
Mas, nesses "Frankenstein" que crio, vou navegando e, de alguma forma, me encontrando.
Os pacientes leem meus textos, mas não se identificam com um caso específico e, ao mesmo tempo, se reconhecem em vários deles e em nenhum ao mesmo tempo. Então, estou embaralhando muito bem, rs.
= = = =
E a sessão continuava. A analista, com sua calma firme, avisou logo de início: não lhe daria uma pauta. Observava sua irritabilidade transbordando por trás da educação impecável. Internamente, era evidente—uma fúria contida, disfarçada por gestos medidos.
Falou sobre os irmãos, distantes. Estranhos, sem laços reais. E a irmã? Péssima. O relacionamento com a mãe, sempre penoso, culminou em sua morte, que, longe de ser uma tragédia, foi um alívio. Acho que exagero aqui, mas havia um sofrimento aí, não nomeado.
O marido, homem bom, a tratava bem, mas tinha lá suas questões de dependência, às vezes, infantil.
Na faculdade, era uma aluna excepcional, admirada pelos professores, elogiada com frequência. Mas e daí? Eles seguiam suas vidas, sem impacto real. No fundo, era incrível, mas ninguém parecia querê-la por perto. "Porque não querem sombra", disse a analista. "Por vaidade, pelo inconsciente deles. Isso é do outro."
E a analista continuou dizendo que se fosse outra tipo de pessoa, talvez visse sorte em trabalhar ao lado de alguém assim. Mas para os outros, era uma ameaça. E isso não era sobre ela. O que é do outro, escapa ao seu controle.
Saiu do emprego. Puxaram o tapete, jogaram sujo, e não se importaram. Mas não foi expulsa. Foi ela quem escolheu sair. Corajosa. Saiu de um lugar que a matava. Escolheu viver. Estava atravessando a fantasia. Foi decisão do sujeito (no simbólico), com uma ajudinha do sujeito do inconsciente (no real).
E aqueles que colocou num pedestal? Terra fofa.
No caminho, adoeceu. Não se vitimizou. Nem por um minuto. "Pera lá", dizia a analista. "Paciência. Paciência histórica." Tudo isso tinha a ver com você, com quem você escolheu ser.
Um ciclo sem fim que se repetia incessantemente. Um roteiro de pertencimento negado.
Mas o mundo não lhe devia nada.
A pergunta constante: "Cadê o meu lugar?" E a frustração a posteriori sempre avassaladora.
Vinha de uma família onde era preciso ser "solucionática". Onde as coisas deviam acontecer rápido, serem solucionadas. Quando não aconteciam, críticas, muitas. Mas agora, estava em outra cultura, um novo espaço onde se reconstruía. Isso levava tempo. "É um momento trans", dizia a analista.
Estava em formação. Era um processo, uma travessia. E já fazia o que precisava ser feito. Calma, está tudo bem! Estamos atravessando. Mas não se permitia. Oscilava. Construía, construía… e então destruía tudo. Um ciclo de criação e ruína. Exaustivo. Uma injustiça contra si mesma.
A analista via progressos – muitos. A cada dia, ela se tornava mais forte, mais lúcida, mais dona de si. Mas, no discurso, por vezes, ainda havia aquela menina frágil, que não se reconhecia, que não entendia os reconhecimentos que recebia e as inúmeras sinalizações que a vida lhe dava. Para ela, tudo era normal, tudo era pouco, tudo era esperado mesmo. Tudo. Todo Mundo. Não se via protagonista, geradora do seu sucesso!
Garota excepcional. Dessas que a gente quer ser amiga, e não terapeuta. Dá vontade de estar perto. De conviver. De aprender com ela.
Desse modo, não havia terceirização possível. A resposta que buscava não estava na terapeuta. Porque não era uma terapia. Nunca foi. Era uma análise. Ela havia escolhido a análise. Era a sua análise.
E ... em algum momento ... quando estivesse pronta ... encontraria seu lugar. Melhor: daria a si mesma esse lugar de pertencimento.
Mas que me deu vontade de repetir a famosa frase: "Você não é Todo Mundo!".
Ah isso deu...
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