A raiva de si mesma em situações abusivas é uma reação comum, embora profundamente dolorosa e complexa. Ela costuma surgir porque, em vez de direcionar toda a indignação para quem causou o dano, muitas vezes a vítima internaliza o abuso, se questiona e se culpa. Isso acontece por uma combinação de fatores emocionais, sociais e psicológicos.
1. A Cultura da Culpa
Vivemos em uma sociedade que frequentemente transfere a responsabilidade da agressão para a vítima. Frases como "Mas por que você não saiu antes?" ou "Você devia ter reagido" acabam plantando a ideia de que você, de alguma forma, foi responsável pelo que aconteceu. Esse peso cultural da culpa pode levar a pessoa a sentir raiva de si mesma, como se ela tivesse "permitido" o abuso.
2. A Ilusão de Controle
Outra razão para essa raiva interna é a necessidade de encontrar uma explicação para o que aconteceu. É doloroso aceitar que, em muitos casos, não havia como evitar a situação. Culpar a si mesma dá uma falsa sensação de controle: "Se eu fiz algo errado, então posso mudar isso no futuro." Apesar de ilusório, esse pensamento pode parecer mais suportável do que encarar a impotência diante do abuso.
3. O Efeito da Manipulação
Em relações abusivas, os abusadores frequentemente manipulam suas vítimas, minando sua autoestima e distorcendo sua percepção da realidade. Eles fazem a vítima acreditar que é responsável pelo comportamento do abusador: "Se você não tivesse dito aquilo, eu não teria reagido assim." Com o tempo, essa manipulação pode levar a vítima a internalizar essas mensagens e se sentir raivosa consigo mesma.
4. A Raiva Reprimida
Muitas vezes, a raiva que deveria ser dirigida ao abusador não encontra espaço para ser expressa. Isso pode acontecer por medo de represálias, por dependência emocional ou porque a pessoa ainda não percebeu plenamente o abuso. Como essa raiva não pode ser direcionada ao outro, ela se volta para dentro, gerando sentimentos de autodepreciação.
5. O Luto pela Autonomia Perdida
Estar em uma situação abusiva pode gerar uma sensação de perda de autonomia e identidade. A pessoa olha para trás e se pergunta: "Por que eu não vi os sinais? Por que eu não agi diferente?" Essa frustração com o próprio passado muitas vezes se transforma em raiva, dificultando o processo de aceitação e autocuidado.
Como Lidar com Essa Raiva
Reconheça que você não é culpada: Lembre-se de que o abuso é sempre uma escolha do abusador, não uma consequência de algo que você fez ou deixou de fazer.
Permita-se sentir raiva: Direcione essa emoção para o lugar certo — para o sistema que perpetua o abuso, para o comportamento do abusador ou até para as circunstâncias que te mantiveram presa. Isso pode ser libertador.
Busque apoio: Terapia ou grupos de apoio podem ajudar a ressignificar essas emoções e a reconstruir sua autoestima.
Cultive o perdão a si mesma: Não como um ato de ignorar o que aconteceu, mas como um gesto de carinho e aceitação.
Transformar essa raiva em força é possível. Com o tempo, é possível entender que não é sua culpa e que o que você merece é cuidado, proteção e respeito — de você para você mesma.
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