Para Jacques Lacan, transmissão é um conceito fundamental que está relacionado à forma como o saber psicanalítico e os elementos inconscientes são comunicados, perpetuados e vividos dentro de um contexto relacional, especialmente no campo analítico.
A transmissão para Lacan é um processo que atravessa o simbólico, o imaginário e o real, colocando em jogo o saber inconsciente e a experiência subjetiva. Ela não é um simples repasse de informações, mas uma passagem de algo que se vive e se ressignifica no campo da linguagem e da transferência. É através da transmissão que o legado da psicanálise se mantém vivo, adaptando-se às singularidades de cada encontro clínico e às nuances do desejo humano.
Trata-se de um processo que ultrapassa a mera transferência de informações, envolvendo uma dimensão simbólica e experiencial. Aqui estão os principais aspectos da transmissão para Lacan:
1. Transmissão como Comunicação do Saber
Lacan distingue o saber (savoir) do conhecimento tradicional. O saber, na psicanálise, não é apenas algo que pode ser ensinado, mas é algo que emerge do inconsciente, que está em jogo na transferência e na relação analítica. Assim, a transmissão do saber psicanalítico não ocorre como em um modelo didático, mas como uma experiência viva, onde o analista encarna o lugar de suporte para que algo do inconsciente do analisante se manifeste.
2. Transmissão e o Campo do Outro
No ensino de Lacan, o inconsciente é estruturado como uma linguagem e está inscrito no campo do Outro (o grande Outro, o locus simbólico). Nesse sentido, a transmissão implica a passagem de elementos simbólicos entre sujeitos, mediada pela linguagem, que permite a constituição de sentidos e significados.
3. A Transmissão na Formação do Analista
Lacan enfatiza que o analista é um produto de sua própria análise, ou seja, é através de sua própria experiência analítica que ocorre a transmissão. Essa ideia sublinha que a formação de um psicanalista não é apenas teórica ou técnica, mas vivencial. O processo de transmissão, nesse contexto, é altamente subjetivo e único para cada um, ocorrendo na interseção entre o simbólico e o real.
4. Transmissão e Transferência
A transmissão está intimamente ligada ao conceito de transferência. Na relação analítica, o saber do analista não é explícito ou consciente, mas é operante no campo transferencial. É através da transferência que algo do desejo, do saber inconsciente e das estruturas psíquicas é transmitido. O analista ocupa um lugar vazio, um semblante, que permite que o saber inconsciente do analisante se desdobre.
5. O Intransmissível
Embora Lacan reconheça a importância da transmissão, ele também enfatiza o que é intransmissível — aquilo que escapa à linguagem e que só pode ser apreendido na experiência singular do sujeito. Nesse ponto, ele introduz o conceito do real, que é o núcleo impossível de ser simbolizado e, portanto, de ser transmitido plenamente. Essa lacuna no processo de transmissão é central para a psicanálise, pois reforça a ideia de que o saber inconsciente é sempre fragmentado e contingente.
6. A Transmissão na Ética Psicanalítica
Para Lacan, a transmissão também diz respeito à ética do desejo. O analista deve transmitir uma abertura para que o sujeito encontre sua posição diante de seu desejo, sem impor valores, verdades ou dogmas. Essa ética da transmissão é um ponto crucial para que o processo analítico seja genuíno e respeite a singularidade do analisante.
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