Às vezes, a gente muda sem perceber, como se fosse uma transformação silenciosa e gradual. Mas é só quando voltamos a um lugar, ou a um momento do passado, que a mudança se torna evidente. Lá, tudo parece deslocado, quase irreconhecível, e somos tomados por uma sensação estranha, como se o ambiente que antes nos era familiar agora fosse um território desconhecido. Não é exatamente um sentimento de perda, mas uma percepção de que já não cabemos mais naquele espaço, naquele tempo. Esse "infamiliar" acontece quando o que antes parecia seguro e estável agora revela suas impermanências, refletindo também nossas próprias transformações internas. A mudança, que antes parecia discreta, se torna nítida na comparação entre o passado e o presente, e é nesse momento que nos damos conta de que, de alguma forma, fomos deixados para trás por aquilo que antes nos definia. E, embora seja desconcertante, esse estranhamento também nos permite reconhecer o quanto crescemos, amadurecemos e, muitas vezes, superamos. O "infamiliar" é, assim, uma espécie de reencontro com nós mesmos, quando finalmente percebemos as distâncias entre o que fomos e o que nos tornamos. O que antes era um lugar de pertencimento e totalmente familiar, de uma hora para outra se torna um local distante, irreconhecível, infamiliar.
O conceito de "infamiliar" pode ser abordado a partir das ideias de Freud e Lacan, ambos influentes na compreensão da psique humana.
Para Freud, o "infamiliar" pode ser relacionado ao conceito de "unheimlich" (ou "estranho" em alemão). Freud introduz esse termo em seu ensaio de 1919, "O Estranho" ("Das Unheimliche"), onde explora a ideia de que algo familiar pode se tornar assustador ou perturbador quando é deslocado de seu contexto usual ou é percebido de uma maneira inesperada. O "unheimlich" é, então, aquilo que, embora originalmente familiar e seguro (como uma casa ou uma pessoa), de repente se torna estranho e gerador de ansiedade. Esse fenômeno está profundamente relacionado ao retorno de conteúdos reprimidos, desejos ou medos que, quando emergem da mente inconsciente, se apresentam de maneira perturbadora e desconcertante, como se fossem "novos", mas na verdade são antigos e já conhecidos.
Para Lacan, o "infamiliar" se conecta ao conceito de "o Real" e à ideia de que o sujeito está constantemente em uma busca por uma identidade estável e unificada, mas que sempre se vê confrontado por uma alteridade que escapa à compreensão. O "Real" lacaniano refere-se a aquilo que está fora do alcance da simbolização e da linguagem, o que não pode ser totalmente integrado ao imaginário ou simbólico. Quando o sujeito encontra o "infamiliar", é como se ele fosse confrontado com uma parte de si mesmo ou da realidade que não pode ser completamente assimilada, algo que ultrapassa os limites do que pode ser nomeado ou controlado. Essa sensação de estranhamento pode ocorrer quando a pessoa se depara com elementos de sua própria psique ou com a realidade que não se encaixam em sua narrativa de identidade, resultando em uma experiência de desconforto e alienação.
Resumidamente, para Freud, o "infamiliar" está ligado ao retorno do reprimido e à transição entre o familiar e o estranho, enquanto, para Lacan, está relacionado ao confronto com o "Real", uma experiência de algo que não pode ser totalmente simbolizado ou compreendido, gerando uma sensação de desajuste e estranhamento. Ambos os pensadores exploram a tensão entre o que é conhecido e o que nos escapa, revelando a complexidade da psique humana e a constância da alienação em relação a nós mesmos.
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