Em nossas relações, conscientes ou não, criamos contratos invisíveis. Eles não são escritos, nem assinados, mas se manifestam em cada gesto, palavra ou silêncio. E, muitas vezes, sem perceber, autorizamos o outro a nos dar nada. Parece contraditório, até doloroso admitir, mas é uma verdade que carregamos em pequenas concessões que vão se acumulando como grãos de areia até formarem desertos.
Quando aceitamos migalhas em vez de cuidado, quando nos adaptamos a ausências que nos ferem, quando justificamos o que não pode ser justificado, estamos, de certa forma, dizendo ao outro: "Está tudo bem assim. Eu aceito." Mas será que realmente aceitamos? Ou estamos apenas calando o grito interno que pede mais, tentando evitar o confronto com a falta que nos atravessa?
Essa autorização não nasce do desejo de menos, mas do medo de perder até mesmo aquilo que já é tão pouco. Por isso, nos acomodamos em trocas desiguais, sustentamos relações que drenam mais do que nutrem e nos silenciamos diante de expectativas frustradas. O paradoxo é que, ao permitir que o outro não nos dê nada, também nos retiramos da relação. Permitimos que a ausência dele encontre eco na nossa própria ausência de nós mesmos.
Mas e se, em vez de autorizarmos o vazio, autorizássemos a abundância? Isso exige coragem, claro. Coragem de colocar limites, de pedir o que nos falta, de reconhecer que merecemos mais. Não se trata de exigir o impossível do outro, mas de entender que toda relação é um espaço compartilhado, e que esse espaço precisa ser preenchido por ambos.
Se você autorizou o outro a não te dar nada, pode ser hora de revogar essa permissão. Não como uma punição ao outro, mas como um ato de amor por si mesmo. Porque merecer algo mais começa em reconhecer o que estamos dispostos a aceitar. E, no momento em que você se autoriza a querer mais, a exigir reciprocidade, algo dentro de você começa a mudar. Você deixa de ser uma superfície vazia onde o outro apenas reflete sua ausência e se torna uma presença, inteira e suficiente, que pede para ser vista, ouvida e respeitada.
O primeiro passo é sempre difícil. Rever contratos invisíveis é um processo doloroso, mas libertador. Porque, no fim das contas, não é sobre o que o outro pode ou não te dar. É sobre o que você decide não aceitar mais. É sobre permitir-se ser preenchido apenas por aquilo que faz sentido, que cuida e que constrói.
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