O desejo, ao contrário do que muitas vezes imaginamos, não é algo fixo ou plenamente reconhecível no momento em que emerge. Ele se apresenta como uma aposta: uma escolha que fazemos no presente, carregada de incertezas e expectativas, mas cuja verdadeira natureza só se revela a posteriori, no encontro com as consequências e a experiência vivida.
Lacan, em sua teoria psicanalítica, nos lembra que o desejo não é estático, mas sempre em movimento, sempre em falta. Ele não pode ser completamente preenchido, pois está enraizado naquilo que nos falta e nos impulsiona a buscar. Essa falta estrutural torna o desejo um enigma, algo que nos move sem que, muitas vezes, saibamos exatamente para onde.
Quando desejamos algo — seja um objeto, uma pessoa, uma realização ou um projeto —, estamos apostando que aquilo terá o potencial de nos completar de alguma forma, que será a resposta para uma inquietação ou um vazio interno. Mas é apenas depois de nos aproximarmos, de conquistarmos ou de nos frustrarmos com o objeto de desejo, que começamos a compreender se aquilo que buscamos era, de fato, o que desejávamos.
No presente, ao escolhermos, estamos agindo a partir de uma expectativa, de uma projeção do que acreditamos que algo pode significar ou nos oferecer. Essa aposta é inevitável, porque o desejo nunca é completamente claro no momento em que emerge. Por exemplo, ao escolher uma carreira, um relacionamento, uma mudança de vida, imaginamos que estamos indo ao encontro do que queremos, mas a clareza sobre o desejo só se dará no futuro, quando olharmos para trás e percebermos se aquilo fazia sentido ou se apenas parecia ser a resposta na ocasião.
O desejo é, portanto, retroativo: ele se constitui e se revela no movimento da escolha e no retorno que ela nos proporciona. Como já foi dito, "não sabemos o que queremos até termos o que pensamos querer." O desejo só se torna inteligível à luz do futuro, quando suas consequências já se desenrolaram.
Esse caráter a posteriori do desejo traz consigo uma inevitável dose de incerteza. O risco de "errar" no que desejamos é uma parte fundamental do processo humano. Porém, o erro não deve ser visto como uma falha, mas como parte do caminho de descoberta e construção do sujeito. Ao apostar no desejo, nos permitimos o movimento, a experimentação, o aprendizado.
Além disso, essa incerteza também revela algo essencial sobre o desejo: ele nunca será plenamente resolvido. Porque, ao obtermos o que queremos, outras faltas surgem, outros movimentos se iniciam, e novas apostas são feitas. Essa dinâmica mantém o sujeito vivo, criativo, em busca de novas formas de ser e de se relacionar com o mundo.
Se o desejo é uma construção a posteriori, então viver é aceitar essa condição de incerteza, de incompletude. Isso implica um compromisso ético consigo mesmo: não paralisar diante do medo de errar, mas abraçar o movimento, mesmo sabendo que a clareza sobre o que se deseja só virá depois.
A cada aposta, aprendemos um pouco mais sobre nós mesmos. Não porque o desejo será plenamente realizado, mas porque, no encontro com o objeto, conseguimos discernir melhor o que nos move, o que nos toca, o que nos falta. Desejar, portanto, não é alcançar um destino, mas trilhar um caminho.
Em última instância, o desejo como aposta é o que nos mantém em busca, em transformação. Ele nos lembra que o sentido da vida não está em obter respostas definitivas, mas em continuar perguntando, explorando e, principalmente, desejando.
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