Há momentos em que a dor parece tomar conta de tudo. Ela grita, domina os pensamentos e corrói as certezas. Parece impossível olhar para ela sem se identificar completamente, como se fôssemos feitos só disso: feridas abertas, memórias difíceis, marcas de perdas ou desamores. Mas há uma verdade libertadora: nós não somos a nossa dor.
Olhar para nossas feridas não significa deixá-las comandar. Não significa negá-las ou fingir que elas não existem. Pelo contrário: significa reconhecê-las, dar-lhes um lugar dentro de nós, mas não o controle. É saber que elas fazem parte da nossa história, mas não definem quem somos.
Dizer "eu não sou essa dor" é um ato de resistência. É ter coragem de olhar para o sofrimento e dizer: "Eu vejo você, eu escuto você, mas você não é tudo o que eu sou. Você não será o único capítulo da minha história." É nesse enfrentamento que começa a reconstrução de significados.
Dialogar com a dor, em vez de fugir dela, é um ato transformador. É compreender que o que nos machuca carrega mensagens, lições e até mesmo possibilidades de crescimento. Não se trata de romantizar o sofrimento, mas de perceber que ele pode ser um catalisador para novas narrativas, mais justas e mais livres.
A dor não precisa ser silenciada, mas pode ser simbolizada. Quando construímos discursos simbólicos para enfrentá-la – seja através de palavras, arte, terapia, ou simples reflexões internas – começamos a dar um sentido àquilo que parecia insuportável. Criamos uma narrativa que não ignora a dor, mas que também não se rende a ela.
Reconstruir significados é um processo. É perceber que, embora tenhamos sido feridos, não somos só as nossas cicatrizes. Somos as escolhas que fazemos a partir delas, as pontes que construímos para atravessar os abismos. Somos, acima de tudo, a nossa capacidade de continuar, mesmo quando tudo parece perdido.
Quando dizemos “eu não sou essa dor”, afirmamos que somos mais do que aquilo que nos feriu. Somos mais do que os erros, as ausências, as quedas. Somos inteiros, mesmo com partes que ainda doem. Dialogar com a dor é o primeiro passo para transformar sofrimento em sabedoria, marcas em memórias que não nos aprisionam, mas nos moldam para o que está por vir.
Essa reconstrução não apaga o que foi vivido, mas nos permite sermos mais justos conosco. Olhar para a dor, enfrentá-la, e então seguir em frente – não como quem foge, mas como quem aprende a caminhar com mais leveza, sabendo que a dor nunca será maior do que a força de continuar.
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