A Transmissão como Testemunha de Um Saber e de Uma Passagem.
O passe, em sua essência, é um momento singular no percurso analítico. Ele se apresenta como uma travessia que não diz respeito apenas ao fim de uma análise, mas a um movimento de elaboração e transmissão de um saber que surge a partir da experiência vivida na relação com o inconsciente. Trata-se de ser testemunha de si mesmo, do processo que nos atravessou, e de reconhecer um "saber" que se desvela sobre aquilo que foi, ao longo do tempo, a marca de uma travessia transformadora.
No passe, o analista em formação — o analisante que se propõe a esse testemunho — não é apenas aquele que conta uma história ou relata um percurso. Ele é, sobretudo, aquele que se coloca diante de um outro, no ato de transmitir um saber que emergiu da sua própria análise. Saber esse que não é acumulativo, como uma coleção de teorias, mas que toca o núcleo daquilo que foi atravessado: o seu desejo, a sua falta, as suas ficções, as renúncias e as reinvenções necessárias para que algo pudesse, enfim, passar.
Esse "saber sobre sua passagem" é profundamente íntimo, mas ao mesmo tempo universal. Ele carrega as marcas singulares de uma história subjetiva, mas se faz transmissível a partir de um ponto em que o singular encontra o coletivo: o sujeito não apenas passou, mas pôde dar forma ao que passou. Mais do que palavras, é um testemunho que se constitui em ato, colocando em jogo algo que não pode ser dito por completo, mas que pode ser articulado na linguagem do desejo.
A testemunha no passe não é, portanto, um narrador neutro. Ela é parte ativa do processo, pois o que está em questão não é apenas o que aconteceu no percurso da análise, mas como isso se articula ao desejo de analista. O passe, nesse sentido, é também um ato ético: o compromisso com o próprio desejo, com o saber que advém dessa experiência, e com o desejo de transmitir algo que possa reverberar em outros. Não é um fim no sentido clássico, mas uma abertura para um novo posicionamento diante do desejo e da transferência.
Há algo de profundamente humano no passe. Ele nos lembra que a análise é, em última instância, um trabalho de atravessamento — de passagem. Um processo em que não apenas se nomeia o que faltava, mas em que se aprende a conviver com a falta, a fazer dela um motor de criação, em vez de um entrave paralisante. Saber sobre a própria passagem é reconhecer a marca do que mudou, do que não se repetirá mais da mesma maneira, e do que, por isso mesmo, pode ser transmitido.
No passe, o analisante se torna autor e testemunha do próprio processo. Não se trata apenas de dizer "eu passei", mas de dar testemunho de um saber que agora pode ser compartilhado. É o ponto em que a travessia pessoal se abre para o coletivo, onde a singularidade do desejo encontra sua dimensão transmissível. O saber sobre sua passagem não é uma conclusão, mas uma abertura para aquilo que, ao se transmitir, continua a transformar.
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