Não É Tudo Que Te Atinge. É Uma Parte Que Te Atinge
Nem sempre percebemos, mas somos feitos de partes — camadas, filigramas, detalhes que nos compõem de forma única. E é curioso como nem tudo que nos toca consegue atravessar essas camadas. As palavras, os gestos, as situações da vida chegam até nós como ondas, mas não é o todo que nos atinge; é sempre uma parte. Um detalhe, às vezes quase invisível, que encontra um espaço em nós, uma fresta aberta, uma lembrança, um significado oculto. É essa parte que nos atinge.
A vida é cheia de ruídos, cheia de acontecimentos que passam por nós sem grande impacto, como vento que não encontra resistência. Mas, de vez em quando, algo menor — quase sutil — encontra uma ressonância em nosso interior. Não é o que foi dito, mas como foi dito. Não é o fato em si, mas o tom, o olhar, o silêncio que veio depois. Essa é a parte que nos atravessa, o detalhe que toca um lugar que, às vezes, nem sabíamos estar exposto.
São as filigramas da experiência, os pequenos ornamentos emocionais que carregamos e que moldam a forma como sentimos o mundo. Um comentário que, para outro, seria banal, em você encontra uma memória de rejeição. Uma ausência que poderia passar despercebida, para você se torna um eco de perdas anteriores. Nem tudo te atinge porque nem tudo fala diretamente com as suas partes mais sensíveis, com os seus significados mais íntimos.
Mas essas partes não existem por acaso. Elas são nossas marcas, nossos traços singulares. E, embora muitas vezes pareçam frágeis, são também nossa força, porque nos lembram de quem somos, do que vivemos e do que ainda precisamos cuidar. São as filigramas que nos tornam humanos.
Reconhecer que não é o todo que nos fere, mas apenas uma parte, é uma forma de lidar com o impacto das coisas. É entender que o que dói em nós talvez nem exista para o outro, e vice-versa. É um convite à reflexão, à pausa, ao olhar cuidadoso para si mesmo: o que, exatamente, está me atingindo? Por que isso encontrou espaço em mim?
A resposta para essas perguntas nem sempre é clara, mas o processo de buscá-la é libertador. Porque, ao identificar a parte que te atinge, você também descobre a parte que pode se curar. Você percebe que o que te atravessa não define o todo de quem você é — é apenas um detalhe, uma filigrana entre tantas outras. E isso significa que há mais em você, muito mais, do que aquilo que te atinge.
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