Outro dia, ouvi uma psicanalista dizer que a depressão não é uma desaceleração, mas, na verdade, uma aceleração da velocidade da vida. Essa afirmação ressoou profundamente em mim. Faz todo o sentido quando olhamos para o ritmo frenético que a sociedade moderna impõe. Vivemos correndo, tentando acompanhar prazos, expectativas, demandas e uma enxurrada de informações que chegam sem pausa. A todo instante, somos solicitados a fazer mais, ser mais, entregar mais — e, nesse movimento desenfreado, perdemos a conexão com o que realmente importa: nós mesmos.
A depressão, nesse contexto, não aparece como a ausência de movimento, mas como o resultado de uma vida que corre tão rápido que não nos permite parar e sentir, refletir ou construir significados. Tudo acontece em um ritmo tão intenso que mal conseguimos perceber o que estamos vivendo. Não há tempo para a pausa que transforma uma simples vivência em experiência, para aquilo que realmente dá sentido à vida.
Talvez seja por isso que a depressão, em muitos casos, seja descrita como uma sensação de vazio. Não é que não há nada acontecendo; é que tudo acontece ao mesmo tempo e com tanta pressa que não conseguimos digerir, compreender ou nos apropriar do vivido. É como se a vida fosse uma esteira rolante que nos leva, enquanto tentamos, em vão, alcançar algo que nunca está ao nosso alcance.
Essa reflexão me fez perceber o quanto a aceleração do mundo moderno nos afasta da nossa própria narrativa. Não há espaço para parar, olhar para trás, criar uma história sobre o que vivemos e nos reconhecermos nela. A depressão, então, não seria apenas o sintoma de uma vida sem pausas, mas também a consequência de uma desconexão com o tempo necessário para transformar o caos em ordem, o barulho em sentido.
Nesse ritmo acelerado, acabamos nos tornando espectadores de nós mesmos, como se fôssemos uma história que passa sem protagonista, sem autoria. Por isso, ouvir que a depressão é, muitas vezes, um reflexo dessa aceleração desenfreada mudou minha perspectiva. Mais do que nunca, sinto que precisamos resgatar o tempo da pausa, do silêncio, do sentir — o tempo de simplesmente ser.
Ela dizia que a vivência e experiência são conceitos distintos, embora frequentemente confundidos. Vivenciar algo significa estar presente em um acontecimento, participar de uma situação. Já a experiência transcende a vivência: é quando o vivido ganha significação, torna-se algo que pode ser contado, compartilhado, refletido. É a narrativa que transforma a vivência em experiência, conferindo-lhe um sentido e permitindo que ela se integre à nossa história de vida. Essa diferença é fundamental para compreendermos os impactos do ritmo acelerado da vida contemporânea, particularmente em sua relação com a depressão.
A depressão, diferentemente do senso comum, não é apenas uma redução do ritmo de vida. Pelo contrário, ela surge muitas vezes em um contexto de aceleração extrema. Vivemos em uma época em que o capitalismo nos oferece coisas em uma velocidade vertiginosa, impondo um ritmo frenético de consumo, produtividade e multitarefa. Esse ritmo desumanizador fragmenta nosso tempo e nossas ações, deixando-nos sem espaço para consolidar o que vivemos, sem oportunidade de construir narrativas. Sem narrativa, a vivência torna-se vazia. E é nesse vazio que a depressão encontra terreno fértil.
A narrativa, aqui, deve ser entendida como um dispositivo antidepressivo. É ela que organiza o caos da vivência, que nos permite ancorar o vivido em uma experiência significativa. Contar a própria história — para os outros ou para si mesmo — é um ato que dá consistência à vida, que preenche o vazio existencial com sentido. Quando a narrativa está ausente, a pessoa se perde em um fazer incessante, mecânico, que não reflete quem ela é nem o que ela deseja ser. Tornamo-nos, então, meros executores de tarefas, sem colocar nada de nós mesmos no que fazemos. Nada de nós se reproduz, e o vazio se instala.
Mesmo quem opta por não consumir, quem tenta se desvincular das exigências do mercado, não está imune. Vivemos em uma sociedade de consumo, onde somos bombardeados por propagandas, comparações e padrões inatingíveis. A velocidade não se limita ao ato de consumir; ela marca nossa relação com o tempo, nossas expectativas e a maneira como vivemos o cotidiano. É um movimento que atropela a nossa capacidade de narrar e, consequentemente, de experienciar.
O paradoxo dessa visão em relação à psicanálise é interessante e digno de reflexão. Tradicionalmente, a psicanálise busca esvaziar as fantasias, na medida em que elas alimentam neuroses e criam barreiras para o contato com a realidade. No entanto, no caso da depressão, a fantasia, a imaginação e a capacidade de criar narrativas podem ser um antídoto poderoso. É a fantasia que nos permite ressignificar o vivido, dar cor ao que parece cinza, construir pontes entre o presente e o passado, e projetar futuros possíveis.
A ausência de narrativa na depressão não é apenas uma característica: é uma de suas causas e também de seus sintomas. Sem narrativa, o sujeito não consegue se reconhecer em sua própria vida. É como se ele não fosse o autor, mas apenas um personagem passivo, sem agência, sem voz. A análise, nesse caso, precisa estimular o indivíduo a fantasiar, a imaginar, a construir histórias sobre si mesmo. Trazer à tona as vivências e transformá-las em experiências. Não se trata de negar a realidade, mas de interpretá-la, de dar-lhe significados que permitam ao sujeito se ancorar e se compreender.
É importante lembrar que ninguém nasce depressivo. A depressão é fruto de um contexto, de uma construção que reflete a forma como nos relacionamos com o tempo, com os outros e, sobretudo, conosco mesmos. E, da mesma forma, ninguém nasce com uma narrativa pronta. Construir uma narrativa sobre si é um trabalho constante, um processo de recontar, reinterpretar e dar novo sentido às vivências. É um exercício de subjetivação que nos ajuda a preencher os vazios que a velocidade do mundo contemporâneo insiste em criar.
Nesse sentido, a narrativa não é apenas uma forma de expressão, mas uma forma de resistência. Resistência ao vazio, à aceleração, à desconexão. Narrar-se é tomar posse da própria vida, é se reconhecer como sujeito da própria história. É um ato de coragem e de criação, que nos permite transformar o fazer incessante em ser, e o vazio em sentido.